Opinião

Sobre fronteiras e documentos: santa paciência!

Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Certa vez fiquei preso na fronteira mais movimentada do mundo: a que divide as cidades de San Diego, na Califórnia (Estados Unidos), e Tijuana, Baja Califórnia, (México). Eu e dois amigos brasileiros naturalizados estadunidenses resolvemos passar um final de semana na terra do Chaves do Oito e, na volta, deu ruim. Antes da aventura, meu amigo olhou meu passaporte e viu que no meu visto estava escrito "múltipla entrada" e garantiu que era tranquilo. Quando saímos dos Estados Unidos e entramos no México não fomos parados: simplesmente andávamos em uma rodovia quando de repente cruzamos por uma placa: Bienvenido a México. Em pouco tempo estávamos almoçando tacos e burritos com cerveja a um dólar. Na volta, porém, a história foi bem diferente...

Após enfrentar um engarrafamento de umas duas horas, quando o carro chegou à catraca para voltar aos States, vi um senhorzinho de cabelo branco, cabeça quadrada e óculos conferir os documentos de todos no carro. Após examinar tudo minuciosamente, ele esticou o pescoço para me ver no banco de trás e perguntar:

- Você está carregando o comprovante que você é estudante da New York University?

Olhei para o meu amigo e disse:

- Pô, cara, você disse que era tranquilo!

Então, começamos uma breve discussão em português na frente do oficial americano que não tinha nenhuma paciência, pois havia uma fila com milhares de carros atrás de nós. Mas, apesar da pressa, ele nos cortou para um breve discurso sobre a soberania da lei americana no mundo:

- The American law clearly states that... blá, blá, blá, blá....

Logo eu estava numa salinha isolado com uns sete chineses que entraram no México por engano e que não tinham nem os passaportes em mãos...

Depois de umas oito horas, finalmente uma oficial me disse que eu tinha duas opções: ou meus amigos buscavam os documentos, ou eles teriam que ligar para Nova Iorque para pedir uma cópia do comprovante de que, de fato, eu era um estudante da New York University. Assim, ela jogou um telefone de gancho (daqueles antigos) e murmurou: "seu amigo está na linha". Eu rapidamente expliquei onde estava o documento e, cinco horas depois, estávamos liberados.

Depois dessa situação jurei nunca mais cair em uma armadilha de fronteira; e, por pouco, não passei por outro sufoco. Estava prestes a conhecer o Uruguai com minha filha nesta semana quando um amigo disse que as identidades tinham que estar atualizadas. Minha filha é uma adolescente e era bem menor na foto do documento. Ele garantiu que, com aquele documento, não passaríamos. Liguei para o consulado e enviei e-mail para o Ministério das Relações Internacionais do Uruguai e ambos me responderam a mesma coisa: não há o que fazer e, de fato, ela não entraria com o documento com foto desatualizada. Assim, tive que cancelar toda a viagem de última hora. Tudo por conta de um pedaço de papel. Tudo por conta do fato de que o ser humano não tem direito ao livre arbítrio de ir e vir, pois ele inventou baboseiras chamadas pátria e fronteira que, aliás, eu não reconheço. Pátria, religião, estado e outros conceitos foram todos criados para garantir o direito de grupos de seres humanos explorarem outros em nome do dinheiro. São milênios de discursos de aproximação que, na verdade, mais separa e distancia a humanidade, do que aproxima e reduz desigualdades. Tudo começou com a invenção do Deus bíblico criando e suas terras e povos santos, sempre lutando contra "inimigos". Mas não eram todos irmãos?? Santa paciência!

Enfim, nesse mundo, só há uma coisa: a literatura. E isso quando estados e religiões não a censuram. Mas aí já é assunto para outra coluna... Um bom final e semana a todos.


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